terça-feira, 9 de novembro de 2010

Entrevista de Pe. Valdir João à Canção Nova

cancaonova.com: Como é realizado o trabalho da pastoral?
Padre Valdir João: O nosso primeiro momento é o de acolhida. Nós vamos lá para acolher a todos, não só os presos, mas também aqueles que trabalham na base prisional, porque o sistema todo é muito tenso. Vamos para acolhê-los e escutá-los para que eles possam desabafar sobre seus sofrimento e suas dores. Após o acolhimento, nós passamos para o momento de ajuda concreta às pessoas. Só depois é que partimos para o momento celebrativo, no qual o sacramento mais pedido é o da penitência, da confissão. Assim, se um padre se dispuser, pode passar o dia todo no presídio que não será suficiente, pois há muitas pessoas que querem se confessar.

É um trabalho que começa dentro do cárcere e depois vai para fora, onde temos uma equipe jurídica, de assessoria e orientação à família, para que o egresso, ou seja, ao sair do sistema prisional, o ex-detento tenha orientação de empregos e cursos. Fazemos também um trabalho voltado para questões judiciais referentes ao Governo federal e estadual, para que a pessoa presa pague o que errou, mas que o faça com dignidade e possa ser recuperada para voltar ao convívio social.

cancaonova.com: Existe uma boa aceitação por parte dos presos em relação ao trabalho da Pastoral Carcerária?
Padre Valdir João: É uma coisa extraordinária. Os presos pedem pela evangelização. Onde não há o trabalho da pastoral, muitos presos escrevem cartas para padres e até mesmo para bispos o solicitando. Infelizmente, para a Igreja Católica é até uma vergonha, porque somos muito poucos nos presídios e a cobrança é grande por parte dos presos.

cancaonova.com: Como a sociedade, de um modo geral, pode contribuir para a paz?
Padre Valdir João: A Igreja Católica tem um grande compromisso com a paz e realiza trabalhos fantásticos. Ela está presente em todas as áreas para construir a paz e a justiça, para que as pessoas vivam mais a questão do amor e da solidariedade.

Temos um trabalho concreto da Pastoral Carcerária com as comunidades. Pedimos para que as pessoas [dessas comunidades] tentem se aproximar de famílias que tenham um parente preso e as acompanhem para que seus filhos não sofram pela discriminação e venham, mais tarde, a entrar também, devido ao desprezo, no mundo da delinqüência. Pedimos-lhes que os tragam para dentro da comunidade e os orientem no que for possível. E se a família for carente, procuramos orientá-las para que tentem colocar os filhos na escola e, se possível, em algum trabalho, num ambiente em que possam crescer e evoluir.

Outra coisa importante é que todas as pastorais, seja da família ou de jovens, aproximem-se dessas famílias e as chamem para perto de si. Quando o ex-detento sai do presídio, ele é totalmente discriminado e rejeitado. Então, os diversos grupos e movimentos eclesiais, devem convidá-lo para o seu grupo ou para o movimento do qual participam, para que ele entenda que, aqui fora, há gente preocupada com ele para que tenha uma vida melhor.

cancaonova.com: Qual é a maior necessidade dos detentos brasileiros atualmente?
Padre Valdir João: O maior problema dos presídios é a superlotação. O Estado de São Paulo está com 143 mil pessoas presas. O Brasil, no ano passado, ultrapassou a margem de 360 mil detentos. O segundo problema é a questão jurídica, pois muitos presos estão esquecidos ou cometeram pequenos delitos, podendo pagar por seus erros com penas alternativas, ou seja, serviços prestados à comunidade, evitando a prisão de muitos, pois o Estado gasta, em média, mil reais, por mês, com cada preso. Se uma pessoa "roubou uma galinha" ou uma bicicleta será presa e o Estado precisará pagar muito caro para mantê-la lá, sendo que ela poderia pagar sua pena prestando serviços para a comunidade.

Também é importante que a comunidade acompanhe este trabalho de perto. Seria muito mais lucrativo para o Estado e mais benéfico para a pessoa que cometeu tal delito e para a sociedade em si.

Assim, questões como a superlotação, os problemas jurídicos e a necessidade de uma maior abertura para que os presos possam ter um acompanhamento são as maiores necessidades dentro dos presídios.

cancaonova.com: O senhor citou os "ladrões de galinha". O fato de estarem presos favorece o que chamamos de "universidade do crime"?

Padre Valdir João: Favorece, sim, e muito. Eu conheço um rapaz que furtou um queijo e não foi preso, mas reicindiu no crime ao furtar um botijão de gás e uma cesta básica. Ele era analfabeto, filho de pais analfabetos, desempregado e foi condenado à prisão. Lá dentro do presídio, acabou cometendo outros delitos pela pressão que sofreu, pois foi obrigado [por outros presos] a fazer várias coisas erradas, aumentando a sua lista de crimes. E, assim, já está preso há oito anos. Infelizmente, ele foi forçado a entrar na "faculdade do crime".

cancaonova.com: Como a religião contribui para a recuperação dos detentos?
Padre Valdir João: Existem muitas religiões dentro dos presídios, e o trabalho da Igreja Católica não se preocupa somente com a alma das pessoas, mas também com o corpo delas, com a família e com a sociedade em que estão inseridas. Desta maneira, em qualquer presídio que a Pastoral Carcerária chegue é bem-vinda por pessoas de qualquer religião, porque elas vêem essa grande preocupação da religião católica.

É um trabalho que precisa ser mais intensificado. Queira Deus que haja cada vez mais pessoas sensíveis para estarem com esses irmãos que pecaram e necessitam de apoio.

cancaonova.com: Conte-nos um fato que mais o marcou nesse tempo de cuidado com os presos.
Padre Valdir João: Acontecem muitos relatos bonitos na Pastoral Carcerária. Há um fato que ocorreu no interior do Estado de São Paulo com uma irmã. Ela recebeu um bilhete para que levasse um padre a um presídio, porque lá havia uma pessoa muito doente na enfermaria, desejoso de se confessar. Ela levou o sacerdote no local, e, ao chegarem, encontraram um rapaz que lhes disse: "Graças a Deus, as minhas orações foram atendidas! O padre chegou! Eu passei a noite inteira pedindo a Deus que me mandasse um sinal de que os meus pecados tinham sido perdoados". O padre o confessou, deu-lhe a unção dos enfermos e, quando estava terminando, chegou um guarda e disse-lhe: "Padre, quem chamou o senhor não foi este preso, foi aquele lá, no fundo do corredor". Naquela noite, soube que o rapaz, que havia se confessado, faleceu. Para mim, foi o próprio Deus quem levou o sacerdote para atendê-lo na prisão, naquele momento.