segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Artigo

Sensibilizar para ressocializar


Atuo na execução penal desde que me tornei Defensora Pública, portanto, há quase 11 anos.

Hoje sou titular da vara de execução penal e violência doméstica/vítima em Várzea Grande, MT, mas estou designada para atender família e violência doméstica/agressor.

Não sou feminista convicta, pois, discordo de alguns ideais do movimento, entretanto, sou militante dos direitos humanos, e como tal defendo a lei Maria da Penha, mas acho que a prisão é uma alternativa paliativa para diminuir a violência doméstica.

A experiência de quase dois anos na defesa dos homens que infringiram a lei 11.340/06 foi enriquecedora.

Durante as entrevistas com os reeducandos, o que se constata pelo histórico de cada um é desestrutura familiar, desamor, baixa escolaridade e reprodução do comportamento negativo dos pais.

Assim, manter os infratores da lei Maria da Penha encarcerados não contribui para reduzir os números da violência urbana, que nada mais é do que resultado da violência familiar.

Esse pensamento é compartilhado por outros profissionais, que reunidos fundaram uma organização governamental para trabalhar em prol dos direitos dos presos: a REPARE (REDE PERMANENTE DE ASSISTÊNCIA AO RECLUSO E AO EGRESSO).

A REPARE foi constituída em novembro de 2009 tendo por finalidade reunir pessoas e instituições privadas, públicas e/ou do terceiro setor que visem a concretização dos direitos e garantias fundamentais assegurados constitucionalmente aos reclusos e egressos do sistema prisional, bem como a concretização dos dispositivos da lei de execuções penais (LEP) que se referem aos direitos e deveres da população prisional e à atuação dos órgãos da execução penal.

As reuniões têm acontecido semanalmente na sede da Fundação Nova Chance (criada pelo Governo do Estado cujo objetivo é implementar o atendimento assistencial e profissionalizante dos presos), em Cuiabá, MT. Temos conseguido diversos parceiros da sociedade civil e do governo, com interesse em melhorar o sistema prisional para que de fato a população carcerária possa ser reintegrada ao convívio social.

O poder público e a sociedade precisam entender que há uma interação entre aqueles que habitam temporariamente as celas e a população que se encontra livre (as visitas são um direito do preso), portanto, se o recluso adoecer, isso fatalmente trará reflexos para a saúde pública, aumentando gastos e maiores investimentos no setor.

Nossa função imediata é sensibilizar as autoridades de que os estabelecimentos prisionais não podem ser depósitos de pessoas e que existe vida após as grades!


Tânia Regina de Matos
Defensora Pública do Estado de Mato Grosso

domingo, 12 de setembro de 2010

Reflexão

OS PRESOS, AUTO-EXCLUÍDOS?
Eu estava na prisão, e viestes a mim! (Mt 25, 36)



Pe. Ney Brasil Pereira(1)
Professor de Exegese
Coordenador de Pastoral Carcerária
do Estado de Santa Catarina

Diariamente nos deparamos, através dos MCS, com os mais variados tipos de crimes e delitos, muito deles, revoltantes: latrocínios, estupros (e estupros seguidos de assassinato!), assaltos, seqüestros... cujos autores são pessoas de carne e osso: latrocidas, estupradores (e assassinos), assaltantes, seqüestradores, os quais, através da polícia e, a seguir, pela Justiça criminal, são excluídos do convívio social e segregados em cadeias, presídios, penitenciárias. Isto no Rio, em São Paulo, e também entre nós, em Santa Catarina: em Florianópolis, Chapecó, Curitibanos, Lages, Joinville, Blumenau, Itajaí, Camboriú, Criciúma, Tubarão, Joaçaba, etc.(2).

E aqui, de imediato, a pergunta contida na epígrafe deste estudo: esses presos, em nossas instituições penais, em vez de excluídos por outrem, não são, antes, auto-excluídos? Isto é, não foram eles próprios que a si mesmos se excluíram da sociedade? E então, por que compadecer-se deles, se eles próprios, quando praticaram o delito, não tiveram compaixão? Por que interessar-se por seus direitos, se eles mesmos “não andaram direito” e não respeitaram o direito dos outros?

Acontece que, como escreveu ORTEGA Y GASSET, “eu sou eu, e minha circunstância”...isto é, mesmo esses latrocidas, estupradores (e assassinos), assaltantes, seqüestradores, são todos eles culpados, plenamente culpados, sem nenhuma atenuante? São, todos eles, perversos, malignos, irrecuperáveis? Ou, quem sabe, levianos? Ou doentes, anormais? São eles os únicos a “merecerem” estar na prisão, quando há tantos crimes do “colarinho branco” que permanecem impunes? E depois, na cadeia, em qualquer cadeia, misturam-se verdadeiros facínoras – certamente poucos – com a maioria de presos que são mais vítimas, mesmo se responsáveis, do que culpados! Além disso, a maioria deles tem poucos recursos – ou não tem nenhum – para se defender, para contratar Advogado... e aí, como fica a Justiça “igual para todos”?

Procurando a iluminação bíblica para estas perguntas, que certamente nos levariam longe, de antemão excluo o exame dos diversos “códigos” preservados na Lei de Israel, a Torá ou Pentateuco, onde teríamos a examinar o “código da Aliança” (Ex 21-23, precedido pelo Decálogo, Ex 20,1-17), o “código sacerdotal” ou “Lei da Santidade” (Lv 17-26)), e o “código deuteronômico” (Dt 12-26, precedido também pelo Decálogo em Dt 5,6-21), onde encontramos numerosas leis penais, muitas delas inclusive marcadas pela sanção da pena de morte (3), a respeito da qual Jesus, p. ex. no episódio da adúltera (Jo 8,1-11), tomou posição contrária. Mas tentando responder à pergunta feita, vou fazê-lo em três pontos: 1) a prática da prisão, no Antigo e no Novo Testamento; 2) a libertação dos presos, uma das missões do Servo/Messias; 3) a solidariedade com presos, dever do cristão.