sábado, 4 de junho de 2011

A Importância da Prática Educativa Dentro do Cárcere

Maira Scavuzzi
Ricardo Vidal

Em um sistema de controle austero como a do presídio, a identidade do apenado tem a sua individualidade esmagada por um conjunto de dispositivos disciplinares, que lhe priva o direito sobre o próprio corpo. A relação de poder incidente sobre ele impõe severas restrições, das quais, sentimento de dor, abandono, vazio, solidão, carência, falta de perspectiva e apatia são apenas algumas de suas conseqüências. Dessa forma, o preso que vive à base de vigilância e punição longe do convívio em sociedade, acaba “desaculturando-se” e não encontrando qualquer significado no espaço arquitetônico da prisão, onde a rede de relações internas o anula e o despersonaliza. A instituição carcerária produz a sensação de perdas pessoais, descaracterizando sua identidade adquirida anteriormente nas relações com a família, amigos, na escola, nas instituições religiosas e nas atividades profissionais.

Nesse sentido, a educação nos presídios apresenta-se como verdadeira possibilidade de libertação interior dos apenados, buscando ser uma maneira de resistir ao processo de perdas que são submetidos. Como diz Paulo Freire: “não podendo tudo, a prática educativa pode alguma coisa”. Além disso, a educação nos presídios traz consigo a possibilidade de eliminar a sensação de desatualização que o isolamento provoca nos presos, mantendo-os informados em relação às mudanças que acontece no mundo externo.

A prática educativa no presídio, além dos papeis possíveis – de preencher o tempo, distrair a mente, sair das celas -, é um momento na penitenciária em que os prisioneiros vivem experiências numa situação de interação baseado na possibilidade do respeito mútuo, de troca e cooperação motivada por uma causa diversa da vingança, do ódio ou da rejeição. A prática educativa oferece ao preso a possibilidade de resgatar ou aprender uma ou outra forma de se relacionar, funcionando como um espaço onde as tensões se mostram aliviadas, contribuindo para a desconstrução da identidade de criminoso e justificando seu papel ressocializador. Ela deve ser o ponto de encontro dos diferentes pavilhões, representando verdadeiro campo de interação entre diferentes concepções de mundo.

No plano jurídico, entende-se pelo artigo 205 da Constituição Federal que o Estado deve aparelhar-se para garantir à totalidade da população educação. Por educação entende-se o “processo de desenvolvimento do indivíduo que implica numa boa formação moral, física, espiritual e intelectual, visando ao seu crescimento integral para um melhor exercício da cidadania e aptidão para o trabalho.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional.22 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 673). O estudo, portanto, é importantíssimo propulsor da inserção do indivíduo em sociedade.

Num Estado que tem por fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e III, CF) e que apregoa enquanto objetivos a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação (art. 3º, III e IV, CF), é conseqüência lógica atribuir à pena finalidade social de ressocialização: a pena não pode ser vista enquanto simples castigo a servir de flagelação pessoal.

Haja vista as conquistas da educação, quais sejam, aprimoramento moral do indivíduo, preparo para o exercício da cidadania e do trabalho, dentre outros, claro está que o processo educacional é meio apropriado à consecução da finalidade ressocializadora da sanção penal. Em razão disto, doutrina e jurisprudência caminharam para a utilização da educação na seara criminal, como forma de estímulo, garantindo ao preso o direito ao abatimento da pena em função de dias de estudo. Quanto a isso o Superior Tribunal de Justiça, na súmula 341, garantiu na referida que “a freqüência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semi-aberto”. Em termos de legislação, os avanços fazem-se presentes: o Senado Federal, em recente deliberação, aprovou o projeto de Lei 265/06 que visa regulamentar a remição por estudo a fim de torná-la plenamente aplicável e, por conseguinte, exigível pela população carcerária.

Por fim, a prática educativa oferece ao preso uma espécie de capital que não lhe poderá ser roubado, pois, ainda que desprovido de sua liberdade, a todo ser humano é reservado o direito a educação, bem como o respeito à sua dignidade, e, por isso mesmo, já se apresenta carregando a valorosa missão de construir um novo olhar acerca da própria identidade do presidiário.